Saturday, November 25, 2017

O ambiente como protagonista? A ficção científica climática (cli-fi) - IN PORTUGESE

O ambiente como protagonista? A ficção científica climática (cli-fi)
25/11/2017
 
Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Ambientes inóspitos, devastações ambientais e o derretimento das calotas polares: temas interessantes que dão histórias incríveis. Conheçam a ficção científica climática, um subgênero da ficção científica onde o ambiente onde acontece a história é o verdadeiro protagonista.
Muitas vezes a ficção científica lida com o futuro e com as mudanças que nosso mundo pode sofrer. A preocupação com o futuro da Terra sempre esteve nas mentes dos autores clássicos de ficção científica como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke. Os últimos anos da carreira do Velho Mestre Asimov mostravam como ele estava pessimista quanto ao rumo que a humanidade estava tomando. Em uma definição simples, Eco-fiction ou Climate Fiction é um subgênero de ficção científica voltada para uma temática voltada para o estudo da ecologia ou do ambiente e como os seres humanos ou alienígenas se relacionam com este meio. Houve um boom de histórias desse estilo na década de 1970 durante as ondas que vieram dos movimentos sociais de 1968 em que voltávamos a pensar a respeito de nosso papel no planeta.

Nas palavras de Margaret Atwood: “Existe um novo termo, cli-fi, (significando ficção climática, um trocadilho com sci-fi), que está sendo usado para descrever livros em que um clima alterado é parte do enredo. Romances distópicos são usados para se focar mais em regimes políticos terríveis, como em 1984, de George Orwell. Agora, entretanto, eles podem muito provavelmente tomar lugar em um ambiente desafiador que não mais lembra o planeta hospitaleiro que acreditamos ser comum”. (The Huffington Post)

Os primeiros romances cli-fi (climate fiction) se voltavam mais para a maneira como os homens usavam ou abusavam da natureza ao seu redor. Importantes discussões acerca da presença do homem no planeta, discussões essas transportadas para cenários alienígenas onde todo o ambiente alienígena servia para esconder e metaforizar as verdadeiras discussões que ficavam como pano de fundo. Desde então o cli-fi evoluiu como gênero. Um exemplo disso é o romance Borne, escrito por Jeff Vandermeer e publicado em 2017. Vandermeer, conhecido pelo seu estilo new weird, com temas bem diferentes, nos apresenta a história de uma menina chamada Rachel que sobrevive em um mundo pós-apocalíptico marcado pela fome e pela miséria. A elite vive dentro de imensas cidades controladas pela Companhia, uma empresa bioquímica cujos restos industriais servem de alimento à população. Um dia, Rachel encontra uma criatura (planta? Animal?) chamado Borne que tem um jeito muito especial de conquistar as pessoas. Mas, em um mundo em que a desconfiança impera, o amor por Borne poderá colocar Rachel em sérios apuros. Nesse livro vemos como Borne se relaciona com o meio ambiente. Para ele, tudo é maravilhoso; mesmo na desolação é possível encontrar a beleza.
Em um cli-fi, o plot é environment-driven, ou seja, o ambiente é o próprio personagem principal. É uma mudança total em relação a histórias que se baseiam no desenvolvimento de personagens ou na evolução da trama. A natureza assume o protagonismo e ela se relaciona diretamente com os personagens. A narrativa é travada na maneira como os personagens alteram ou destroem a natureza e como ela reage quanto a isso. A série Helliconia escrita por Brian Aldiss nos transporta para um planeta que sofre com o rigor das estações por centenas ou milhares de anos. Os seres que habitam o ambiente precisam se acostumar, por exemplo, com décadas de um inverno rigoroso ou de uma primavera atroz. As histórias giram nos homens se relacionam e sendo agentes de mudança ambiental. Normalmente vemos alguma situação ambiental grave que vai acabar levando a narrativa adiante. Helliconia se passa ao longo de milhares de anos, muito semelhante com o que Asimov faz na série Fundação.

Dois outros pontos que se cruzam é a responsabilidade e o interesse humano. Kim Stanley Robinson é um mestre nessa arte. Por exemplo, na série Mars vemos o desenvolvimento de uma colônia terrestre em Marte. Ao longo da trilogia somos apresentados às várias dificuldades que o planeta joga para os personagens. Mesmo depois de assentados os próprios seres humanos interferem tanto com o ambiente do planeta que eles precisam se preparar para sofrer as consequências de tais alterações. Somos colocados também diante do tema de construir meios de ligação entre Marte e a Terra. Ao longo da trama uma corporação de exploração de recursos minerais deseja construir uma enorme escada celeste ligando os dois planetas. Esse é o interesse humano de espoliar selvagemente os recursos naturais do planeta. A responsabilidade ética fica em como essas ações irão mexer com o equilíbrio planetário.

O estilo de escrita pode variar entre um classicismo, uma história mais vanguardista, um romance, um mistério e até um realismo mágico. Depende de como o autor direciona a sua narrativa. Algumas das melhores histórias são de ficção científica mais pesada onde o autor pode imaginar todo o tipo de situações exóticas e criativas. Porém, temos o outro lado do espectro com a série Helliconia. Aldiss conseguiu criar uma trama que não fica muito distante de um romance de fantasia clássico. Tanto é que George R.R. Martin alega ter se inspirado em Helliconia Spring e Helliconia Winter para criar a ideia de as estações influenciarem o mundo de Westeros.
O primeiro registro de clifi pode ser atribuído a uma história de Jules Verne chamada de The Purchase of the North Pole onde ele imagina um mundo profundamente alterado climaticamente simplesmente a partir da mudança de eixo da Terra. Precisamos lembrar que Verne tirava muitas de suas ideias a partir de descobertas e pesquisas de sua época. Já no final do século XIX o homem se preocupava com a maneira predatória com a qual os recursos naturais eram explorados. Mas, o autor mais conhecido dos primórdios desse gênero, sem dúvida alguma, é J.G. Ballard e seu romance The Drowned World, escrito em 1962. Ballard foi um dos vanguardistas a pensar no derretimento das calotas polares e no súbito aumento do nível dos oceanos. Com a sua pegada voltada para o estudo de personagens, ele consegue apresentar uma narrativa aterrorizante estudando a impotência do homem diante do poder selvagem da mãe natureza. Claro que, em The Drowned World essa catástrofe é provocada pela radiação solar, mas temos outro romance dele chamado The Drought, escrito dois anos mais tarde, em que as alterações no planeta são provocadas pela irresponsabilidade do homem.

Mas, sem dúvida alguma, o autor que mais trabalhou com esse gênero de histórias é Kim Stanley Robinson. Ele trabalhou tanto com histórias sobre mudanças climáticas como também com a relação do homem com ambientes inóspitos. Ainda no tema de mudanças climáticas é possível citar o livro Green Earth (o compilado de uma série que começa com o livro Forty Signs of Rain) em que ele imagina toda a politicagem necessária para realizar uma mudança real na maneira como nos relacionamos com o meio ambiente. Recentemente ele escreveu New York 2140, um clifi que se passa em uma Nova York após o aumento dos oceanos em que as pessoas vivem em prédios abandonados cercados pelo mar por todos os lados. Vemos o surgimento de toda uma série de relações sociais dentro desse prédio.

Em uma vertente diferente, Robinson explorou também outros planetas e ecossistemas. Em Aurora, ele explora uma nave espacial enviada para colonizar um planeta no sistema de Tau Ceti. Dentro dessa nave, existem todos os ecossistemas da Terra reproduzidos com sua fauna e flora. E existe toda uma preocupação por parte da tripulação em preservar estes ambientes da melhor maneira possível. Já na série Three Californias, Robinson brinca com a evolução da humanidade em um lugar e como eles usam o ambiente para construir a sua sociedade.

Cinco boas dicas de climate fiction:

1 - "The Drowned World" de J.G. Ballard

Impossível não indicar esse clássico da ficção científica de um autor que possui uma prosa incrível como J.G. Ballard. Nesse romance, vemos as calotas polares tendo derretido causando a submersão de boa parte do hemisfério norte do planeta. O protagonista da história é um biólogo responsável por mapear o que sobrou do planeta e onde estão vivendo os sobreviventes. Só que muitos deles acabaram retomando seus espíritos primitivos. A história serve como uma reflexão do autor sobre como os homens acabam tendo sua sociedade desintegrada por conta de uma situação limite.

2 - "Trilogia MadAddam" (Oryx e Crake, O Ano do Dilúvio e MadAddam) de Margaret Atwood

Margaret Atwood gosta de explorar situações críticas em suas obras. Podemos ver isso em seu livro mais famoso, O Conto da Aia, mas muitos consideram a trilogia MadAddam o ponto onde ela mais acertou sua pena. Um livro que aposta no derretimento das calotas polares, na degradação ambiental e no aumento do nível do mar. Será a partir desses três temas que ela vai fazer um estudo sociológico de como o homem será capaz de lidar com isso. Nesses livros veremos vários personagens em que alguns testemunharam o acontecido enquanto outros precisam lidar com as consequências da destruição ambiental, tendo que reconstruir suas vidas em um novo mundo. Dos três talvez Oryx e Crake seja o mais pessimista, mas nenhum deles perde em carga dramática.

3 - "A Faca de Água" de Paolo Bacigalupi

Nos últimos tempos falamos tanto em preservar a água dos rios e de que o futuro pode reservar uma guerra pelo controle das águas. Paolo Bacigalupi ataca esse tema de frente ao nos mostrar um futuro onde boa parte da oferta de água desapareceu. A história se passa no sudoeste dos Estados Unidos onde os personagens disputam a capacidade de controlar o fornecimento de água para as pessoas. O autor coloca algumas reflexões interessantes como o fato de a própria expropriação econômica como resultado do esgotamento dos recursos naturais do planeta.

4 - "A trilogia da Terra Partida" (A Quinta Estação, The Obelisk Gate e The Stone Sky) de N.K. Jemisin

Jemisin nos apresenta talvez uma das narrativas mais pungentes na atualidade: um mundo que sofre uma série de catástrofes ambientais de tempos em tempos. Em todas as vezes, essas catástrofes significam o fim da civilização e uma necessidade de reconstruir o que foi perdido. Temos uma casta de orogenes, seres cujos poderes mágicos tem a ver com sua profunda conexão com o planeta, que sofrem preconceito porque se acredita que eles sejam os verdadeiros culpados por tudo aquilo que acontece ao planeta. Ao mesmo tempo, esse preconceito vem do medo que as pessoas sentem já que os orogenes são seres extremamente poderosos. Os protagonistas são constantemente oprimidos, sofrendo um profundo ostracismo por aqueles que deveriam abrigá-los. Ao mesmo tempo, Jemisin explora de que maneiras a civilização encontra para sobreviver a um mundo que os coloca em constante estado de destruição.

5 - "New York 2140" de Kim Stanley Robinson

É óbvio que o Mago do Clima não poderia faltar nessa lista. Para tanto escolhi o seu livro mais recente, lançado em 2016 e que explora os habitantes do MetLife, um arranha-céu em uma Nova York que sofreu com o aumento dos níveis do mar. Dentre as obras do autor, talvez seja aquela que mais explora a relação do homem com a natureza e entre eles mesmos. Tendo um estilo mais otimista e até um clima mais leve do que outros de seus livros como Aurora e Red Mars, New York 2140 analisa as relações entre o capitalismo selvagem e um clima terrestre cada vez mais perigoso. Diante de tudo isso, o autor coloca acima de tudo a necessidade de uma mudança no comportamento da sociedade em relação ao lugar que habitamos.

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